A Gota é uma doença microcristalina, ou seja, resulta do depósito de cristais de ácido úrico em várias localizações, sobretudo nas articulações, tecido subcutâneo e rim.

É uma das doenças reumáticas mais prevalentes no mundo ocidental. A Gota afecta sobretudo homens (2 a 7 por cada mulher afectada), ocorrendo geralmente a partir dos 40 anos no sexo masculino e dos 60 no sexo feminino.

A maioria dos indivíduos com níveis de ácido úrico elevados não desenvolve Gota; cerca de 7% da população adulta apresenta hiperuricemia mas apenas 1/7 destes indivíduos desenvolve crises de Gota. Alguns dos factores de risco para o surgimento das crises são a obesidade, a insuficiência renal, o uso de alguns medicamentos (como por exemplo os diuréticos e a ciclosporina), o consumo excessivo de alguns alimentos.

SINAIS E SINTOMAS

A acumulação de cristais de ácido úrico nas articulações e tecidos periarticulares desencadeia fenómenos inflamatórios que originam dor, edema (inchaço), aumento da temperatura local, coloração avermelhada da pele (eritema) e, por vezes, dificuldade em mobilizar as articulações envolvidas.

Esta inflamação das articulações começa por manifestar-se em episódios curtos, com dores violentas que surgem geralmente durante a noite e se resolvem ao fim de alguns dias, mas, se a gota não for tratada, as crises tendem a repetir-se e a doença pode acabar por se tornar crónica. Os locais mais frequentemente envolvidos são as articulações dos dedos dos pés, tornozelos, joelhos, mãos e cotovelos.

Quando os cristais de ácido úrico se acumulam no rim, geralmente é sob a forma de cálculos (são um dos tipos de "pedra" no rim) e podem manifestar-se por episódios recorrentes de cólica renal.

A deposição de cristais nos tecidos subcutâneos e junto aos tendões designa-se «tofo». Os tofos gotosos têm o aspecto de um nódulo duro e esbranquiçado, e localizam-se habitualmente nos pavilhões auriculares (orelhas) e na superfície extensora dos dedos das mãos e pés e dos cotovelos. Podem abrir um orifício e drenar o seu conteúdo de ácido úrico através da pele.

DIAGNÓSTICO

Para o diagnóstico inicial, é fundamental a realização de análises sanguíneas, para avaliação do estado geral do doente e do equilíbrio metabólico, uma vez que muitos doentes têm simultaneamente diabetes e elevados níveis de colesterol.

Também é aconselhável a realização de Radiografia das articulações envolvidas, para avaliação da gravidade e exclusão de outras patologias. O diagnóstico final deve fazer-se baseado na história clínica e observação do doente, mas só é definitivamente confirmado se forem identificados cristais de ácido úrico no líquido articular ou no exame histológico dos tofos.

TRATAMENTOS

A Gota é uma doença debilitante que pode originar dor crónica, invalidez, ou insuficiência renal crónica, mas é uma doença de fácil controlo desde que se mantenham hábitos de vida saudáveis e o cumprimento da terapêutica.

O tratamento para reduzir os níveis de ácido úrico, desde que tolerado, deve ser mantido por longos períodos, de forma a reduzir os depósitos de cristais, podendo mesmo haver remissão da doença.

O tratamento é essencialmente baseado em 4 intervenções:
1. Alteração do estilo de vida
2. Tratamento farmacológico
3. Tratamento de reabilitação
4. Tratamento cirúrgico



1) Alteração do estilo de vida

A dieta deve ser equilibrada, não sendo necessário abolir nenhum alimento em especial. Os alimentos mais ricos em precursores do ácido úrico e que devem ser ingeridos com precaução são a carne de porco e de caça, vísceras de animais, charcutaria, conservas de peixe, mariscos, café, chá, chocolate e bebidas alcoólicas – sobretudo a cerveja.

Nos doentes obesos, é preferível uma dieta baixa em calorias para controlo não só da gota, mas também do excesso de peso e outras patologias metabólicas.

Consumir leite e produtos lácteos magros ajuda a reduzir o ácido úrico.

Devem evitar-se factores precipitantes das crises, nomeadamente esforços intensos, exposição ao calor, infecções, abusos alimentares e alcoólicos. Deve ser iniciado um programa de exercício físico adaptado às capacidades do doente, para controlo do peso e melhoria da mobilidade muscular e articular.

A menos que haja contra-indicação médica por outras razões, é benéfica a ingestão abundante de água (2 a 3 litros por dia).


2) Tratamento farmacológico

O tratamento das crises deve ser feito com colchicina, anti-inflamatórios e eventualmente com corticóides. Os corticóides podem ser tomados por via oral, por injecção intramuscular, ou injectados directamente na articulação envolvida.

A longo prazo, os medicamentos que são reguladores da concentração de ácido úrico são o alopurinol e os uricosúricos (probenecide e sulfinpirazona, não disponíveis em Portugal). Estão em estudo outros fármacos para o mesmo efeito, como o febuxostat, um medicamento semelhante ao alopurinol, que serve também para reduzir os níveis de ácido úrico, mas com menos efeitos adversos, mas este ainda não se encontra disponível no mercado.

A partir do momento em que o ácido úrico surge elevado nas análises clínicas é necessário que a situação seja avaliada pelo médico assistente, mas a primeira medida será iniciar hábitos de vida saudáveis, aumentar a ingestão de água e, no caso de haver excesso de peso, fazer dieta (o médico ou nutricionista poderão aconselhar nesse sentido). Provavelmente, estas medidas por si só, irão melhorar bastante os níveis de ácido úrico, sem haver a necessidade de tomar medicamentos.

O Alopurinol é um fármaco potente, que ajuda a reduzir os níveis de ácido úrico. Quando é iniciada a toma do medicamento, pode acontecer uma crise de Gota. Quando se inicia a toma de alopurinol deve-se tomar em simultâneo algum medicamento com actividade anti-inflamatória (como a colchicina, os anti-inflamatórios não esteróides ou a cortisona). Estes medicamentos diminuem bastante o risco de ter novas crises de Gota. Quando o alopurinol já está a ser tomado há bastante tempo e surge uma crise de Gota, não é necessário suspender necessariamente a toma do medicamento, mas sim de associar tratamento para a crise.

A Urato-Oxidase (Uricase) é uma enzima presente na maioria dos animais, mas não no Homem, que degrada o urato em alantoína, uma molécula mais solúvel e mais facilmente excretada na urina. A Uricase (extraída de um fungo designado Aspergillus flavus) tem sido usada em alguns países no tratamento da hiperuricemia grave e refractária, geralmente associado a doenças malignas. Por se tratar de uma enzima reconhecida pelo organismo como estranha, a uricase vai originar resposta imunológica, o que provoca a perda da sua eficácia a longo prazo, podendo mesmo desencadear reacções alérgicas.

Alguns tratamentos biotecnológicos – como o infliximab, o anakinra e o canakinumab, estão em estudo para a utilização no tratamento das crises inflamatórias.


3) Tratamento de Reabilitação

O tratamento de reabilitação é fundamental sempre que existam sequelas associadas à inflamação e destruição articular progressiva. Deve ser prescrito por um médico especializado, tendo em atenção as características próprias de cada doente.


4) Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico destina-se à correcção ou substituição de articulações lesadas pela doença. Por vezes, quando os tofos são volumosos e causam perturbação funcional ou estética, podem ser retirados por meio de cirurgia.

Fontes:
- www.ipr.pt – Instituto Português de Reumatologia - Documento elaborado por Dr.ª Cláudia Miguel e Dr.ª Maria Jesus Mediavilla;
- Boletim iSaúde da Associação Nacional das Farmácias;