Por Mutualidade da Moita

O refluxo gastroesofágico define-se como a passagem de conteúdo do estômago para o esófago através do esfíncter esofágico inferior (cárdia). Este efeito é comum, em particular após as refeições, podendo ocorrer fisiologicamente até 40 episódios de refluxo por dia sem que destes resulte qualquer lesão. Estima-se que cerca de 20% da população do mundo ocidental apresente sintomas de refluxo.

Entre outras substâncias, o estômago produz ácido clorídrico, que desempenha um papel fundamental na digestão química dos alimentos. Para evitar a agressão produzida pela ação do ácido, o revestimento do estômago tem características e mecanismos que o tornam resistente aos efeitos das suas próprias secreções, ao contrário do revestimento do esófago de modo que é essencial que o organismo possua mecanismos de defesa para executar uma correta limpeza do esófago e evitar a exposição continuada ao conteúdo ácido do estômago.

Quando o refluxo está associado a sintomas, sinais ou complicações, falamos de doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). A DRGE afeta cerca de 35% da população portuguesa, podendo surgir em qualquer grupo etário, embora a prevalência aumente com a idade.

O refluxo é caracterizado por sintomas de pirose e ou regurgitação ácida, interferindo com a qualidade de vida dos doentes. É uma condição crónica, o que implica um tratamento de manutenção prolongado para evitar recaídas e/ou das lesões do esófago.

Na maioria dos casos trata-se de uma condição benigna, facilmente controlável com terapêutica médica associada a medidas gerais.

É importante referir que, se não devidamente tratado, o refluxo gastroesofágico provoca uma esofagite erosiva que pode, em alguns casos, evoluir para cancro do esófago.

Quando os sintomas não se referem ao esófago mas a órgãos como a orofaringe e o trato respiratório inferior, fala-se em doença de refluxo extra-esofágico.

Causas do refluxo gastroesofágico

O refluxo gastroesofágico resulta de um desequilíbrio entre os fatores de defesa e os fatores de agressão da mucosa esofágica.

  • A incompetência do esfíncter esofágico inferior, que deixa de ser capaz de impedir o refluxo do conteúdo gástrico;
  • Alterações anatómicas (ex.: hérnia do hiato esofágico – uma porção do estômago passa através do diafragma para a cavidade torácica, ocorrendo uma disfunção do esfíncter esofágico inferior);
  • Situações em que há aumento da pressão intra-abdominal (ex.: gravidez, obstipação, obesidade, uso de roupa apertada);
  • Todos os fatores (ex.: alimentos, medicamentos, estilos de vida) que contribuem para o aumento da acidez do conteúdo gástrico, tornando-o mais agressivo, ou que diminuam os mecanismos protetores.
  • Alguns alimentos e bebidas (ex.: citrinos, chocolate, refeições ricas em gordura ou muito condimentadas, bebidas com cafeína, álcool, bebidas gaseificadas), o tabaco e certos medicamentos (ex.: pílulas, medicamentos de substituição hormonal, medicamentos para a tensão e para a osteoporose) podem desencadear ou agravar os sintomas.

Sintomas

  • Azia ou pirose (ardor ou sensação de queimadura atrás do esterno). A azia é a manifestação mais frequente de refluxo e corresponde a uma sensação de queimadura no meio do peito, que pode irradiar em direção ao pescoço e que surge, geralmente, menos de uma hora após as refeições e que se pode agravar na posição deitada ou inclinada para a frente;
  • Regurgitação (sensação de que os alimentos voltam à boca, sem vómito);
  • Dor ou dificuldade em engolir os alimentos (disfagia);
  • Aumento da produção de saliva (sialorreia) para tentar limpar as partículas de ácido no esófago;
  • Sensação de enfartamento após as refeições;
  • Eructações (arrotos) e flatulência (gases);
  • Náuseas;
  • Dor abdominal.

Além dos sintomas digestivos típicos podem existir outros, designados sintomas extra-esofágicos (ácido refluído atinge a porção inicial do esófago):

  • Tosse crónica;
  • Rouquidão persistente;
  • Pigarrear (necessidade de aclarar a voz);
  • Inflamações recorrentes da garganta e dos ouvidos;
  • Falta de ar ou agudizações frequentes de asma ou outra doença inflamatória respiratória preexistente;
  • Gengivite, alterações do esmalte e erosões dentárias;
  • Mau hálito.

A dor torácica pode-se confundir com uma dor de origem cardíaca.

Por vezes pode ocorrer anemia por carência de ferro ou, mais raramente, por vómitos com sangue.

Nalguns casos poderão surgir complicações como úlceras, estenoses bem como a transformação da mucosa esofágica em revestimento de tipo intestinal.

Diagnóstico

O diagnóstico do refluxo gastroesofágico baseia-se na avaliação dos sintomas e no exame clínico.

Poderão ser solicitados os seguintes exames:

  • Endoscopia digestiva alta (EDA);
  • Radiografia do esófago, estômago e duodeno;
  • pHmetria de 24 horas;

Tratamento

O tratamento da DRGE tem como objetivo controlar os sintomas e, tendo em conta que se trata de uma doença crónica, manter o doente sem sintomas, criar as condições adequadas para a cicatrização de eventuais lesões e prevenir o aparecimento de complicações.

Os medicamentos que mais são utilizados inibem a produção de ácido pelo estômago (ex.: omeprazol, pantoprazol, esomeprazol), reduzindo a acidez e criando um ambiente favorável à cicatrização de lesões da mucosa. Adicionalmente o médico pode prescrever medicamentos que vão aumentar a tonicidade do esfíncter esofágico inferior e acelerar o esvaziamento gástrico.

Alguns medicamentos de venda livre podem ser utilizados no alívio dos sintomas, mas apenas por períodos curtos de tempo (ex.: antiácidos, sucralfato).

A cirurgia pode ser uma opção habitualmente reservada para doentes mais jovens, ou quando não existe uma resposta satisfatória aos medicamentos ou sempre que existe uma causa tratável como é o caso da hérnia do hiato esofágico.

A DRGE tem habitualmente uma evolução benigna, no entanto, pode evoluir com complicações:

  • Esofagite (inflamação do esófago);
  • Hemorragia digestiva alta (por lesão da mucosa com ruptura dos vasos sanguíneos);
  • Estenose (estreitamento do esófago);
  • Esófago de Barrett (lesão pré-maligna);
  • Cancro do esófago;
  • Pneumonia por aspiração (quando existe entrada de conteúdo digestivo ácido na árvore respiratória).

Medidas úteis

  • Evitar o excesso de peso;
  • Evitar usar roupa apertada na região abdominal;
  • Evitar os alimentos fritos, refogados, molho de tomate, chocolate, citrinos, hortelã, alho, cebola, bebidas com gás, álcool e cafeína);
  • Fazer refeições mais ligeiras e mais frequentes;
  • Evitar inclinar-se ou dobrar-se por longos períodos;
  • Evitar deitar-se após as refeições (aguardar 2 a 3 horas);
  • Elevar a cabeceira da cama 15 a 20 cm ;
  • Deixar de fumar;

Fique alerta se:

  • Tem dor ou dificuldade em engolir;
  • Apresenta perda de peso inexplicável;
  • Tem vómitos com sangue;
  • Apresenta anemia;
  • Apresenta uma massa palpável no abdómen.
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